Cada um de nós é confrontado com o bem e com o mal, com a verdade e com a mentira, com a luz e com as trevas, que estão indissociavelmente emaranhados.
O que é o Bem Absoluto?
O que é a Verdade?
O que estamos buscando?
O que interrogamos e o que desejamos da Verdade Absoluta?
Todas estas indagações são lógicas, no entanto, nem todo mundo faz. Por quê?
É que, a partir dos aspectos contrários, como o bem e o mal, a luz e as trevas, a vida e a morte, foram concebidas doutrinas especulativas e sistemas que tornam esses aspectos aceitáveis.
Muitos se harmonizam e se identificam com isso e encontram aí um ponto de apoio para se realizarem, se sentirem em segurança e alcançarem uma certa paz de espírito.
Muitas teorias foram surgindo na história da humanidade.
Por exemplo: o confucionismo, que continua determinando o pensamento na China; a imagem do mundo dada por Aristóteles; a mitologia grega e romana;o cristianismo; e muitos outros sistemas religiosos e esotéricos, políticos ou ideológicos.
O ocidental, muito fortemente individualizado, é regido por tais doutrinas especulativas.
Esses sistemas constituem campos de vida que têm suas próprias leis e limites.
Mas, se a esfera social, cultural, moral e política assim determinada perde seus limites, então o sistema atravessa uma aguda crise de identidade.
Entretanto, ao mesmo tempo, os limites em questão restringem a liberdade de movimento.
Ao enquadrar a vida, bitolam seu desenvolvimento.
É um paradoxo: o desenvolvimento limita-se a si mesmo.
Em conseqüência disso, no interior de cada sistema, algumas correntes definem os limites enquanto outras tentam repeli-lo. Enquanto as duas correntes se mantêm em equilíbrio, o sistema funciona como um organismo vivo.
Qualquer um que se sinta em segurança no interior do sistema ao qual pertence, não procurará uma verdade superior e nem mesmo a única Verdade.
"Nosso» sistema nos faz viver, nos mantém e nós o mantemos. Essa troca de energia nos dá pouca ou nenhuma
oportunidade para nos indagarmos a respeito do valor real do sistema em questão. É que ele constitui uma parte de nossa identidade!
Não procuramos jamais saber quem somos verdadeiramente. E, quando isso acontece, a questão é ignorada pelos chefes do sistema e geralmente taxada de insensata, inaceitável.
A pessoa que tenta penetrar no conhecimento profundo do qual Boehme dá provas a cada penada fará bem em renunciar a toda e qualquer abordagem teórica e sistemática.
Se desejar ler os textos de Boehme, precisará encarar uma terminologia, uma linguagem, um conjunto de símbolos e conceitos complexos, quase inacessíveis.
Para compreender Boehme, é preciso romper a forma exterior.
Contentar-se em ler não é o suficiente.
A penetração, a compreensão profunda de seu pensamento é absolutamente necessária.
É preciso ter uma certa afinidade com ele para entrever um pouco o tesouro inesgotável dos valores e profundidades espirituais que ele exprime.
Uma consciência inteiramente voltada para a vida material não conseguirá fazer isso.
Após a primeira tentativa para compreender Boehme, decide-se:
— ou «deixar tudo para lá»;
— ou apreender intelectualmente os mistérios da doutrina do «Filósofo teutônico»;
— ou dedicar-se a uma busca pessoal para descobrir porque Boehme é tão difícil.
Boehme nos obriga a uma busca pessoal, ao autoconhecimento, ao retorno a nós mesmos. É com essa intenção que ele indica em uma de suas cartas quais devem ser as bases do verdadeiro autoconhecimento:
"...pois o livro que contém todos os segredos é o próprio homem. O grande segredo está nele, mas a revelação só acontece pelo Espírito Santo. A razão não deve permanecer no mundo exterior, pois nele não encontrará nada que já não conheça: não perceberá que existe uma força e um poder oculto, impenetrável e insondável que criou todas as coisas. A razão permanece lá e, como um pássaro voa no ar, ela vai e vem na criatura, e a observa como uma vaca olha para a nova porta de seu estábulo: ela nunca vê o que ela própria realmente é, e raramente vai tão longe a ponto de reconhecer que o homem é uma imagem de todos os seres. Ela não quer conhecer seu Criador. Se acontecer que alguém venha a conhecê-LO, ela o qualifica de louco, proíbe-o de ter essas idéias sublimes sobre Deus, julga-o pecador e caçoa dele".
Suas visões espirituais têm como objetivo:
— a natureza que se transmuta em homem;
— o homem, fenômeno individual, que se transmuta em Espírito, imagem do divino, fonte universal;
— Imagem do divino que se transmuta no Deus em si mesmo.
Boheme se interessa pela vida real do homem.
Ele lhe pergunta se está realmente pronto, se aspira ao conhecimento que penetra mais profundamente e mais longe que as coisas exteriores.
E, se for o caso, ele diz:
"Se desejais participar do conhecimento, penetrar nele verdadeiramente, e vós o podeis, renunciai ao que sois, ao que possuis ..."(Da vida supra-sensorial) .
Uma tarefa simples, não é mesmo?
O que se passou com Boehme antes de poder dizer isso?
«Em nossa depravação, não temos nenhuma compreensão profunda do que se manifesta em nós; este mundo, com seu começo e fim só nos dá uma visão limitada. Gostaria de penetrar mais profundamente em minha vida opressiva para apaziguar meu corpo doente. Investiguei o mundo inteiro e nada descobri; tudo nele está doente, paralisado, ferido, cego, surdo e mudo.Li muitos escritos de grandes mestres, na esperança de aí descobrir a origem e a profundidade das coisas.Mas neles nada encontrei a não ser um espírito semi-morto, que se consa-rava ansiosamente à sua cura e em vista de sua grande fraqueza, não consegui chegar a nenhuma força perfeita[...] Acabei afundando numa profunda tristeza e melancolia, até o momento em que vi a grande profundidade deste mundo, o sol e as estrelas, as nuvens e também a chuva e a neve, e, contemplei, em espírito, a criação inteira deste mundo. Lá encontrei em todas as coisas, o bem e o mal, o amor e a ira, nas criaturas privadas de razão, nos bosques, nas pedras, na terra e nos elementos, assim como nos homens e nos animais. Vi sobretudo o homem, uma pequena centelha, e como ele devia ser respeitado por Deus, comparado à grande obra do céu e da terra. Quando descobri também que em todas as coisas existia o bem e o mal, tanto nos elementos como nas criaturas, e que, no mundo, o ateu estava tão bem quanto o crente, e que os povos bárbaros ocupavam as melhores regiões e eram freqüentemente mais felizes que os homens piedosos, fiquei tomado de amargura e aflição e nenhum dos escritos que eram, entretanto, bem conhecidos por mim, puderam consolar-me [...] Enquanto que, nessa desolação,meu espírito, que não compreendia nada ou quase nada, se lançava gravemente para Deus, numa grande tempestade, e meu coração eminha alma, com os outros desejos e pensamentos, abandonavam-se a isso inteiramente, sem cessar, no entanto, de combater com o amor e a misericórdia de Deus, até que Ele me abençoou, isto é, até que Ele iluminou-me com o Espírito Santo para que eu pudesse compreender sua vontade e perder minha tristeza; então surgiu o Espírito [...] Eu, entretanto, não posso descrever e nem exprimir que triunfo esse Espírito manifestou. Isso não é comparável a nada a não ser ao renascimento da vida em meio à morte, à ressurreição dos mortos." (Uren met Boehme, den Hartog)
A experiência do amor e ódio, do bem e mal, da simpatia e da antipatia estreitamente mesclados pode ser verdadeiramente pungente e retirar todo o sentido racional da vida.
Ela mostra claramente que nada no universo É verdadeiramente.
O amor, a bondade, a vida e a morte como os experimentamos são unicamente subjetivos.
Em outras palavras: eles resultam do julgamento do eu e são submetidos a normas.
A identidade pessoal é, pois, também uma ficção, um valor ligado às condições exteriores, portanto muito mutáveis.
E a pergunta: "Quem sou na realidade?" fica no ar.
O homem dá a si mesmo uma identidade, colocando piercings, adotando um certo comportamento, um certo estilo, códigos como aqueles que têm uma função no mundo animal, e até mesmo um papel importante.
O eu é o «homo ludens», o homem que brinca, que na realidade nada é.
Mas o fato de poder sair do enquadramento determinado de sua identidade também pode dar alguma liberdade para a busca.
Jacob Boehme deu esse passo. Ele lutou para descobrir seu verdadeiro nome, sua identidade primeira ..."até que Ele iluminou-me com seu Espírito Santo, para que eu pudesse compreender Sua vontade eperder minha tristeza "... (Uren metBoehme, Den Hartog)
Estudar Boehme é em si contraditório.
É como querer descrever um tremor de terra enquanto se está confortavelmente instalado em um escritório saboreando uma xícara de chá, ou explicar em que consiste o perfume do jasmim.
É grande a tentação de acusar esta obra de ser do «rei dos obscuros», por escapar a toda e qualquer tentativa de aproximação.
Com grande violência, ele ataca a "letra morta", a igreja das paredes de pedra, o edifício exterior, a imagem truncada da realidade, a paz de espírito que dá credibilidade às autoridades, a pretensão da erudição, o cristianismo burguês que tem título e casa própria:
«Olhai a vós mesmos, pagãos cegos, falsificadores e interpeladores, abri bem os olhos, não tenhais vergonha da simplicidade. Pois Deus, que se oculta no centro, é ainda muito mais simples. Mas, vós não o vedes!» (Aurora)
Boehme captou a essência viva da vida humana, do próprio homem.
Ele luta com: "o homem-deus e não o deixa seguir adiante enquanto ele não o abençoa" ( Gen. 32,26).
Ele procura a ligação entre a "imagem", o lado exterior material, e o aspecto interior, "o que não tem imagem", o inimaginável, o Espírito.
Quem mergulha em sua obra, é levado a uma luta revolucionária: sente que é arrastado numa correnteza e aspirado para o abismo de um caos extremamente tenebroso.
Ele "lê" um livro no qual todas as idéias e alegorias têm um significado diferente daqueles conhecidos, pois está lendo um livro vivo.
Aquele que diz que compreende Boehme está zombando do mundo.
Está mentindo! Afinal, Boehme obriga o leitor a uma exploração radical de si mesmo.
Ele vira de ponta-cabeça todos os alicerces dos conhecimentos estabelecidos provando sua exatidão.
Parodiá-lo ou mesmo citá-lo já não é possível.
Cada citação dele exige que se adquira o espírito que o faz falar e escrever.
Por isso, Boehme e o não-comprometimento são duas coisas absolutamente contrárias.
Sua obra é dinamite espiritual e a explosão que provoca ondas de choqueque penetram as gerações, as culturas e todos aqueles que "se encontram" com Boehme.
Aqueles que acreditam que essa explosão antiga, de quatro séculos, não vibra mais, está definitivamente apagada, permanece inoperante nos velhos alfarrábios amarelados, (que talvez ainda tenham algum valor para historiadores ou antiquários), estão cometendo um erro radical!
Mas, se refletirmos na coerência e sucessão dos impulsos espirituais no decorrer dos tempos no Ocidente e no fato de que isto não aconteceu por acaso, podemos considerar que a intervenção de Jacob Boehme não representa somente um ápice, um salto no processo de desenvolvimento espiritual da Europa, mas também um cadinho ardente, onde todas as correntes espirituais e sistemas filosóficos precedentes - gnosticismo, cristianismo, hermetismo - se fundem em uma síntese, que os renova para o homem ocidental.
Não se pode dizer que Boehme é somente um grande místico. Sua influência sobre o pensamento e a sociedade ocidentais é fundamental, radical.
O conceito «misticismo» evoca um certo fechar-se: fechar os sentidos para o mundo exterior, recusar-se a se deixar guiar por eles.
O verdadeiro misticismo restabelece a ligação com o mundo interior indivisível, ligação que faz perder o desejo de se deixar fascinar pelas imagens exteriores que engendram os contrastes e a diversidade.
"Se vos desligardes de tudo o que é criado e não fordes mais nada com relação a toda natureza e criatura, então sereis no Uno Eterno, que é o Deus em si, e descobrireis a suprema virtude do Amor" (Da vida suprasensorial).
Boehme mostra sua grandeza espiritual quando lança uma ponte entre o fundamento interior do Todo, o «sem fundo», e o universo exterior.
Em seu pequeno livro Da vida supra sensorial, Boehme expõe as condições e disposições necessárias para estabelecer a ligação entre o interior e o exterior.
Suas palavras não são a expressão de uma fé vaga, sentimental, submetida à autoridade de um poder superior.
Ele mobiliza o que há de mais íntimo, pessoal e profundo no ser, lá onde não reina separação nem divisão.
«Quando os sentidos e a vontade de vossa personalidade se calam, manifesta-se em vós uma audição, uma visão e uma linguagem eternas, e vós ouvis e vedes Deus. Quando silenciais, sois o que Deus era anteriormente à natureza e à criatura, e de onde ele vos criou como criatura natural; então ouvis e vedes do mesmo modo como Deus vê e ouve em vós bem antes que vossa própria vontade comece a ver e ouvir».
Boehme não é um puro místico, ele nos interpela.
Ele explica o que é a aparência e a religa ao fundo interior.
Ele distingue e esclarece o lugar onde essa ligação é rompida.
A esse respeito, fala do fogo que queima na ilusão; da cegueira e do orgulho daqueles que se mantêm puramente numa vida voltada para o exterior.
Essa vida só tem o poder e o dever de se multiplicar, expandir, transformar, crescer e explodir com furor e paixão. Mas, durante todo esse tempo ela continua submissa ao fogo consumidor que Boehme denomina «o fogo da ira divina» ou «primeiro princípio».
Se isto nos parece abstrato demais, só nos resta voltarmo-nos para tudo o que se passa diariamente no mundo para ver claramente o que ele entende por isso.
A esta vida materialista falta coerência, integridade. Ela é um parasita no interior de um organismo cujo funcionamento é perceptível, mas mal compreendido.
Muitos suspeitam, interiormente, que existe um organismo sublime, mas não o conhecem.
A vida materialista perverteu tudo com a proliferação do mal e com o ardor do fogo.
Ela não tem nem vontade, nem poder para fazê-lo de outra forma!
Esta mesma força prolifera também no homem impedindo-o de adquirir o conhecimento da Luz unificadora de Cristo e de entrar em ligação com ela.
Para Boehme, esta Luz é o segundo princípio.
Ela também está presente no homem, mas em estado latente.
As sugestões e representações do fogo cegam e instigam a vontade a determinar por ela mesma o que é justo ou não, o que é verdade ou não.
Por esse fato, o ser humano fica ligado ao nascimento exterior, onde, separado da cruz de luz de Cristo, ele queima no fogo do primeiro princípio, o mundo da ira, o reino das trevas, a roda incandescente da resistência, do amargor, frieza, amargura e medo, onde os contrários lutam eternamente uns contra os outros e estão ligados pelo medo.
Boehme designa assim os quatro elementos do fogo: o orgulho, a avareza, a inveja e a ira, dos quais os homens egocêntricos estão infectados até a medula.
Ser orgulhoso significa querer tudo romper, tudo dominar, tudo consumir e ficar só.
A mentira é sua única verdade.
A vontade pessoal nega a verdade e age assim contra si mesma, destruindo a si mesma.
É por isto que Cristo diz que Satã é o pai da mentira.
Sua natureza é dizer "não"! Pura e simplesmente contradizer a Verdade.
É importante compreender que Boehme, na sua cosmologia, considera um desenvolvimento puramente espiritual, uma criação que se manifesta a partir do "nada" eterno, o "sem fundo", e prossegue num processo de evolução eterna.
O intelecto não pode conceber esse processo porque é prisioneiro da dualidade:ele só pode pensar em termos contrários e, por essa razão, os conceitos que ele concebe pertencem ao mundo exterior.
O intelecto não está ligado à fonte de toda vida.
Portanto, não é hermético, pois falta-lhe a Gnosis.
O pensamento de Boehme é hermético, não como o de um cientista profundamente culto, mas como o de uma alma que recebeu a graça de Deus.
"Deus, com efeito, fora da natureza e da criatura, não tem nome, mas chama-se somente o Eterno Bem como o Uno Eterno, o «Sem Fundo» e o Fundamento de todo ser. Ele não se encontra em parte alguma. É por isso que Ele não nomeia nenhuma criatura, pois todos os nomes existem na linguagem formada pelas forças (terrestres). Deus, entretanto, é Ele mesmo a raiz de todas as forças, sem começo e sem nome. Por isso Ele disse a Jacob: «Por que perguntas meu nome?» e «Ele o abençoou» [...] Seria bom que não fossemos conduzidos pelos mestres da letra na forma exterior, quando aprendemos e falamos do Deus único, como isso foi feito até o presente. Somos arrastados para uma falsa pista com imagens (afirmações, fórmulas, idéias e convicções) como se o Deus único desejasse isso ou aquilo, enquanto que Ele é por si próprio a única Vontade no que concerne à criatura e à natureza e que a criação inteira procede, pura e unicamente do Sopro de Sua Palavra. É preciso compreender que a possibilidade de se separar de sua única Vontade encontra-se na manifestação e no conjunto da natureza. "[...] É deplorável que nos tornemos tão cegos e que aprisionemos a verdade em imagens. Pois, quando a claridade da força divina se manifesta e age no mais profundo da alma, de tal sorte que se deseje largar o caminho sem Deus e se abandonar à Ele, então, a Tri-unidade divina penetra inteiramente na vida e na vontade da alma. O céu está lá, onde Deus se abre para a alma e nela permanece.A alma é o lugar onde o Pai gera seu Filho e onde o Espírito Santo emana do Pai e do Filho, pois Deus não necessita de lugar mensurável." (Mistério Magnum)
O mistério do renascimento é fundamental no pensamento de Boehme.
Sem renascimento, o pensamento e a ação são impotentes.
O pensamento se agita e só forma imagens-clichês.
Nenhum processo mental ultrapassa a barreira do espírito humano.
Os argumentos das filosofias ou as palavras dos sábios antigos só oferecem uma fraca consolação e dão um verniz
à nossa existência extremamente triste e sombria.
O que o ser humano espera?
"Nós perdemos a Luz do coração de Deus; com efeito, devido à queda de Adão, nós passamos da Luz eterna para a luz deste mundo e a alma nada tem a esperar a não ser o desaparecimento da luz deste mundo se ela não retornar para a Luz divina. Porque, como nós, os homens, com os olhos deste mundo, não podemos ver a Deus, que entretanto está sempre ao nosso lado e em volta de nós, devemos antes adquirir outros olhos, para que possamos sentir e experimentar Deus. Então, nós o contemplaremos."
O universo visível é um único e imenso sistema onde tudo que se manifesta é transitório e submetido a mudança.
É difícil aceitar que, aí, a morte é vida e as trevas, luz.
Na Terra, essas noções não são constantes, os contrários se sucedem.
Por isso Boehme fala de "a casa da morte".
Nada pode evoluir para uma vida verdadeira, ela é abafada: ou no nascimento, ou no decorrer de seu desenvolvimento
ou na maturidade. Diz Boehme:
"O homem não pode esperar nada além do desaparecimento sistemático da luz que ele conhece.E ele só conhece a escuridão, onde todo impulso da Luz é tragado pelo fogo"."
Estas palavras vão atingir quem?
Quem pensa que o universo visível é somente "a imagem exterior" da vida oculta, imutável?
O homem voltado para o exterior nada possui para descobrir a vida oculta.
O estudo, a devoção, etc., só fazem com que volte ao lugar de seu nascimento exterior. Não o modificam, pois o fogo
arde por toda parte na existência exterior cheia de divisão.
A divisão é o fogo flamejante que consome o mundo e a humanidade.
Como escapar desse fogo?
Boehme fala então da "Pérola preciosa" pura e imaculada que os homens possuem em si mesmos.
"Lúcifer se enfurece contra as «criancinhas»: sim, ele faz de tudo para macular a Pérola. A alma pura, imaculada, é o homem onde brilha o Conhecimento, e que, pelo caminho do Conhecimento, escapa das atrocidades da casa da morte. Com freqüência, este homem deverá sentir os ataques, mas se ele perseverar no reto caminho do Conhecimento, a preciosa pequena Pérola lhe será ofertada."
Ele deve nascer novamente desse princípio de Luz.
Renascer da "água e do Espírito".
"Por essa razão, pensai nisso, filhos, e entrai pela boa porta!
Não se trata somente de perdão, mas de renascimento. Então vós também sois perdoados: ou, em outras palavras, o pecado é como uma concha; em seu crescimento o novo homem sai de sua concha e a deixa para trás." (Da encarnação de JesusCristo).
O que atormenta aquele que se mantém fora da Luz é o maná oculto daquele que está na Luz.
No capítulo 2, versículo 17 do Apocalipse, é dito:
"Ao que vencer darei a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece, senão aquele que o recebe".
Em seu livro Dos três Princípios, Jacob Boehme mostra que sua compreensão é o resultado de um incessante combate pela Verdade:
"Que a aurora divina se eleve em mim. Sobre mim se derrama a justiça de Deus. Mas a alma dos verdadeiros combatentes fala à justiça divina, dizendo-lhe: Eu não te deixarei ir embora de modo algum antes de me abençoares".