Um Natal Esotérico (Parte 2)

 Um Natal Esotérico (Parte 2)


Traduzido de Universal Freemasonry


Hoje, às vésperas deste grande feriado de Natal, celebramos o início de nossa era atual da história, o início de um novo ano, o retorno da luz solar e o nascimento da figura mais influente da história moderna, Jesus de Nazaré. Na Parte 1 de "Um Natal Esotérico", examinamos as raízes e as origens arquetípicas da história do Natal, bem como outras várias tradições pré-natalinas no paganismo e na mitologia antiga. Vimos que o Natal em sua totalidade é uma colcha de retalhos de ideias e celebrações antigas e míticas.

A dissolução de nossas crenças e suposições sobre o Natal pode ser desconcertante para alguns, mas, como a lagarta que precisa se modificar dentro de seu casulo para se tornar uma borboleta, essa alteração é um componente necessário da iniciação em novos conhecimentos, para deixar para trás idéias imprecisas. Então, agora, enquanto nossa concepção de Natal está igualmente em seu estado líquido, vamos ver quais asas coloridas nosso querido feriado ainda pode ter e para quais doces flores de vida espiritual elas podem nos levar.


O nascer do Sol da Meia-Noite


No primeiro capítulo de João, o mais místico capítulo do mais místico evangelho, é dito que aquela Palavra (Verbo) que se tornou Jesus de Nazaré é também aquela Palavra de Deus que brilhou nas trevas no alvorecer da Criação e fez todas as coisas, e que é também a Luz e a Vida da humanidade. No grego original, essa palavra é na verdade Logos, um conceito emprestado dos filósofos estóicos e neoplatônicos gregos, que descreve a força criativa que dá ordem ao caos escuro do universo. Então, esta Luz do Logos brilhou na escuridão, e a escuridão não sabia disso; foi a Luz da humanidade e se fez carne para que a humanidade a conhecesse melhor.

Se houvesse um único motivo que pudesse ser atribuído ao tema estético e mítico do Natal, seria o da luz brilhando na escuridão. Do menino Jesus iluminado no centro de nossos presépios, às luzes de Natal com as quais decoramos nossas árvores e casas, à luz da lareira em que as meias são penduradas, o Natal é arquetipicamente uma luz na escuridão, um calor no frio, mesmo ordem no caos. É a salvação pela Luz Divina, na hora mais escura.

O nascimento dos Deuses Solares em toda a mitologia antiga, muitos dos quais compartilham elementos comuns com a história de Jesus e seu nascimento, eram frequentemente celebrados na época do Solstício de Inverno porque este é o ponto em que o sol começa em seu retorno lento após atingir o ponto mais escuro, culminando na primavera e no verão. O meio do inverno, portanto, marca o nascimento de um novo ciclo solar, que sempre governou as atividades da humanidade e, em grande parte, ainda o faz. É o ponto em que o Sol de Deus “morre” e renasce, o que em Roma era conhecido como “Nascimento do Sol Invicto”.

Embora alguns possam zombar da antiga adoração do sol, como o doador de luz e vida, que melhor símbolo para Deus ou o Divino poderia haver do que aquele sem o qual tudo o que sabemos pereceria? Muito parecido com o Logos de João 1, a Luz do sol brilha na matéria e transforma a escuridão da lama e das pedras na bela complexidade da Vida. Uma vez que a maioria das pessoas precisa da incompreensibilidade de Deus para ser representada por alguma figura tangível, tanto o sol quanto seus representantes idealizados em suas várias formas antropomorfizadas, Pai e Sol, podem servir para incorporar e informar a humanidade sobre a natureza da Luz espiritual que dá a verdadeira Vida.


Assim como acima, como embaixo, como dentro

Em "The Mystical Interpretation of Christmas", o Rosacruz Max Heindel descreve uma época em que as energias físicas e espirituais recebidas do sol são invertidas, desta forma o momento de maior energia física acarreta a energia espiritual mais fraca, e vice-versa. Curiosamente, isso também corresponde aos momentos em que a luz do sol atinge a Terra em um ângulo mais reto, durante o Solstício de verão, representativo do quadrado (simbólico) da existência física, em oposição a quando atinge a Terra em um ângulo mais agudo no Solstício de Inverno, correspondendo aproximadamente ao triângulo, representando a existência espiritual.

Isso também significa que este Solstício de Inverno, dia de máximo espiritual, é o dia em que o mínimo físico gira e começa a crescer em direção à robustez física do verão e, portanto, representa o início da descida do espírito à matéria. Esta descida, muitas vezes descrita como uma "queda", é fundamentalmente um ato de doação, sacrifício, serviço e criação, pois a descida da Luz para as trevas é aquela pela qual todas as novas formas são criadas, mantidas e a graça pela qual elas podem um dia ascender e evoluir para um estado superior. Sem o derramamento altruísta da luz do sol nas trevas da Terra propiciando nascimento divino da colheita e da criatura, como poderiamos existir?

É assim que no momento em que a luz física está mais fraca, a Luz espiritual do Amor e da generosidade atinge seu auge. Ao longo da história, com o início da escuridão do inverno, a necessidade de dar e compartilhar também atingiu o seu ápice, e se não fosse pela lembrança do Amor e da generosidade dessas celebrações de inverno, quantos poderiam ter morrido no frio intenso do inverno e na frígido egoísmo mesmo de seus vizinhos? Aqui, também encontramos a importância de dar, sendo tanto um símbolo do dom fundamental da Luz e da Vida de Deus e do sol, quanto um aspecto prático de nossa sobrevivência e prosperidade como um povo. Somos lembrados de nos tornarmos semelhantes ao sol em nossa generosidade quando o próprio sol está menos presente.

Por mais pervertido e comercializado que possa ser agora, nossa habilidade em nossos momentos mais sombrios de permitir que o sol interior de nosso Amor brilhe e cuidemos uns dos outros é a origem de nossas tradições de dar presentes de Natal, e o tema dominante de muitas histórias de Natal, da disposição de um avarento rico em doar aos necessitados em Um Conto de Natal, à disposição de uma comunidade pobre em sustentar uma família necessitada, em  "It’s a Wonderful Life". Até mesmo a história original de Natal de uma família de refugiados desesperados, com a mãe grávida, encontrando abrigo na generosidade de outras pessoas ressoa com este tema. Todos esses são reflexos externos de nossa Luz brilhando na escuridão da ignorância, medo, ódio e ganância.


Amor na Manjedoura Cósmica

Assim como o menino Cristo na história de Jesus, o Cristo que é a luz interior de todas as pessoas, de cada átomo, e que brilha em nosso sol interior e em cada estrela do firmamento, é um dom divino nascido da graça, cujo destino está escrito no tecido da própria Criação. Nas profundezas das trevas, nascido em um estábulo galáctico e uma manjedoura planetária feita de água, poeira e gases, a luz física do sol brilha, e a luz divina da consciência emerge milagrosamente e ascende em todas as formas em direção à sua fonte da vida. Como escreveu o místico sufi Ibn Arabi: “Deus dorme na rocha, sonha na planta, mexe no animal e desperta no homem”.

O segredo desse Sol de Deus na humanidade está escondido nos personagens do Natal. A virgem mãe Maria é a pureza do coração aberto, sem ser molestado pelos desejos mesquinhos da natureza humana inferior, recebendo aquele que nunca nasceu e nunca morre. O pai José é o servo de força e vontade, que zela pela encarnação divina, em obediência ao decreto celestial. Os sábios e pastores atraídos pela estrela são os aspectos superiores e inferiores da mente, chamados pela misteriosa intuição celestial de suas atividades mundanas típicas. O estábulo, a manjedoura e os animais ao redor são o vago e humilde vaso terrestre em que a Luz Crística nasce, ou desce, em cada um de nós, o corpo físico.

Todos esses aspectos do eu são reunidos como uma mandala em torno da figura central, que é colocada em uma manjedoura que, pela lógica normal, deveria ser simplesmente comida para os animais, mas foi substituída por esta Luz divina e a salvação da escuridão terrível do emaranhamento no mundo da matéria. É assim que esta Luz toma o lugar do mero “pão” material que alimenta apenas nossos corpos e seus desejos. Assim é que corpo, coração, força de vontade e mente se curvam e giram como satélites ao redor da Luz radiante que transcende e ilumina todos esses aspectos menores do Ser. Esta Luz não emerge deles, assim como o menino Jesus não é uma criança concebida naturalmente; não é uma soma de suas partes, mas sim uma graça descendo a eles, dando-lhes significado e propósito além de suas formas transitórias e existência inferior, que de outra forma são apenas redemoinhos de escuridão.

O Sol em cada um

As experiências de quase morte descrevem quase universalmente o encontro com uma Luz que sabem ser Deus, cuja refulgência brilhante é a essência do Amor Incondicional, do Conhecimento, da Vida e da Consciência. Da mesma forma, os místicos de todo o mundo experimentam Deus como uma Luz infinita que é transcendente e imanente em toda a Criação. Esta luz amorosa também é entendida como o que experimentamos em nossos corações como amor e em nossas mentes como consciência, embora em formas limitadas. Ele brilha mais intensamente em nós no Amor incondicional, quando livre das restrições do desejo e do condicionamento que o ocultam na lama de nossas naturezas inferiores.

É esta Luz do Amor que brilha da manjedoura e chega a nós apropriadamente na forma da história de um bebê, uma nova e pura forma de Vida. São vários tons desta Luz que conhecemos ao longo da vida, primeiro em nossa pureza como bebês, depois na união amorosa que traz nova vida ao mundo, e mais uma vez quando olhamos para nossos filhos recém-nascidos, refletindo nossa própria essência pura de volta para nós. Esta criança do sol interior que vislumbramos de muitas maneiras é o nosso núcleo, acima e além de todos os aspectos da mente e do corpo, é nossa Alma, nossa própria consciência, tanto a Luz da consciência quanto a fonte do Amor que brilha quando nos rendemos ao Divino.

Quando alcançamos a pureza e a rendição de Maria, a força e devoção de José, e a orientação de todos os aspectos da mente, de pastores a sábios, em direção a esta estrela da intuição, então o brilho do invencível sol interior nos ilumina com um alegria inesgotável, amor, sabedoria, criatividade e paz, irradiando-se sobre todos os aspectos de nossos relacionamentos, pensamentos e ações no mundo. Este é o ponto culminante da jornada espiritual, e o próprio mundo se torna iluminado quando carregamos esta Luz, liberando todas as impurezas que a obstruem dentro de nós.


A Luz Crescente

Enquanto nossa conclusão individual ainda está por vir, no Natal, nossas histórias e canções, decorações e celebrações, a hora da estação e a posição dos próprios corpos celestes se reúnem para nos lembrar daquela infinita Luz de Amor que mora dentro de nós, que vislumbramos em nossos momentos mais brilhantes, e que aguarda nossa purificação devotada para brilhar da manjedoura de nossos corações, tornando-nos uma encarnação totalmente divina do Logos da Luz Amorosa.

Essa iluminação é um processo gradual, e o contar de nossas histórias, canções e símbolos de Natal sussuram em nosso interior a cada solstício de inverno e renovam a cálida lareira do Amor dentro de nós. Isso nos ajuda a marchar adiante na escuridão, de mãos dadas e Iluminados por dentro, para enfrentar uma nova rodada cíclica de nossa jornada em espiral para cima em direção à conclusão final, enquanto isso,  quem sabe trazermos Luz a este mundo de todas as maneiras (mesmo que) imperfeitas que possamos.

Saiba neste Natal que a Luz da Consciência Crística não é uma coisa longínqua ou antiga, nem se limita a nenhuma seita, templo ou livro sagrado, mas vive em cada olhar que você encontra, em cada palavra de amor, em cada ato de dando, e em seu próprio coração, se você liberar a confusão terrível que o esconde, e reconhecer que é o âmago do seu ser, meramente escondido na escuridão, esperando para ser revelado. Um Natal muito alegre, caloroso e brilhante para você!



Autor: Johnatan Dinsmore

Tradução: Paulo Maurício M. Magalhães

Mais Visitados