Reformando os Deuses

 Reformando os Deuses

Tradução e adaptação de :Universal Freemasonry


Eu estava participando de um grupo de estudos de Livros Esotéricos na semana passada quando ouvi a frase "reformando os deuses". Já ouvi, muitas vezes, sobre como Deus nos reforma, como a teologia pode ser reformada, mas não sobre como os humanos reformam os deuses. Parecia arrogância, para mim. O que se quer dizer quando dizem que "alguém está tentando reformar os deuses?"

Reformar algo é desmontá-lo, peça por peça, e usar o material para criar alguma nova forma, alguma nova “coisa” que é ostensivamente melhor do que a velha “coisa”. Reformar os deuses, em termos mais simples, é pegar o que nós sabemos de nossos deuses e criar algo novo a partir de suas formas, de sua essência. Isso não parece uma tarefa fácil. Estamos remodelando tudo o que entendemos sobre os deuses, ou Deus, e transformando isso em algo que achamos melhor. Novamente, arrogância.

A questão é: como o ser humano reforma seus deuses? Talvez a simples devoção se transforme em fanatismo radical. Talvez o façam por meio de sua própria interpretação errônea dos costumes, práticas e dogmas da religião ou da sociedade, formando as regras para se submeter à sua vontade. Seus desejos. Eles misturam a ideia da vontade divina com a sua, buscando fundi-los, ou buscando justificá-los? 

Joseph Campbell, em O Herói das mil faces , na seção sobre Iniciação, afirma:



Os cultos totêmicos, tribais, raciais e missionários agressivos representam apenas soluções parciais para o problema psicológico de subjugar o ódio pelo amor; eles iniciam apenas parcialmente. O ego não é aniquilado neles; em vez disso, é ampliado; em vez de pensar apenas em si mesmo, o indivíduo passa a se dedicar a toda a sua sociedade. O resto do mundo ... é deixado fora de sua simpatia e proteção porque (está) fora da esfera e proteção de seu Deus. E aí ocorre, então, aquele divórcio dramático dos dois princípios de amor e ódio que as páginas da história tão abundantemente ilustram. Em vez de limpar seu próprio coração, o fanático tenta limpar o mundo.


Ao pensar sobre isso, me pergunto se a maneira como os humanos usam a linguagem para expressar seus pensamentos afeta nossa teologia da mesma forma que a linguagem, a biologia e a cultura estão intrinsicamente ligadas. Podemos pensar que há evolução da biologia, mas não há evolução da cultura também? E se ambos estão evoluindo, nós, como humanos e como parte dela, estamos evoluindo a linguagem para acompanhar o ritmo. 
Faz sentido que nossa teologia evolua para sobreviver. Certamente é a adaptação que faz com que prevaleça a melhor  linhagem, não apenas a perseverança. Ainda assim, a evolução vem em muitas formas, e sabemos que as espécies evoluíram até a extinção: não por sua própria vontade, mas pelos veículos de adaptação a ambientes hostis e temporários. Os extremos não podem durar.

A Maçonaria, de algumas maneiras estranhas, não se rendeu a essa adaptação de cultura e linguagem; no entanto, de certa forma, sim. Temos a empoeirada Maçonaria de outrora, que contém as formas
rituais inalteradas desde tempos imemoriais. É o ritual mantido imaculado, os antigos ornamentos mantidos  brilhantes e apenas o mais breve sopro de questionamento fora dos monitores e rituais mencionados. É uma Maçonaria sólida em suas raízes, mas não tem nada acima do solo onde a Luz possa brilhar sobre ela.

Então temos uma Maçonaria que está à beira de algo maior do que seus antecessores. Assim como a evolução, as instituições acompanham a cultura. Nesse sentido, a Maçonaria é global. É fundamental que a Maçonaria use símbolos para se comunicar - uma linguagem global. Ela foi levada a muitos lugares por maçons viajantes, estabelecendo Lojas onde quer que cheguem. Não pode deixar de ser global, e até mesmo a “velha” empoeirada Maçonaria é global. 

Isso significa que deve evoluir pela pressão da evolução cultural global. Do contrário, segue o caminho do dinossauro - lembrado em poços de alcatrão e tanques de gasolina, museus e sítios históricos. Ele se tornará a espinha dorsal de uma nova Maçonaria que busca viver de acordo com seus elevados objetivos de tolerância, solidariedade, igualdade e liberdade para todos os seres humanos. Isso inclui pessoas de todas as raças, credos, e idades. 

As virtudes básicas da Maçonaria dizem respeito à qualidade da pessoa, não a essas características humanas divisivas. Esta é uma Maçonaria que está se construindo sobre as raízes do antigo, avançando pela terra e começando a crescer ao sol.

Campbell no mesmo capitulo nos afirma:


Uma vez que tenhamos nos libertado dos preconceitos de nossa própria interpretação eclesiástica, tribal ou nacional provincialmente limitada dos arquétipos do mundo, torna-se possível entender que a iniciação suprema não é aquela dos pais maternais locais, que então projetam agressão sobre os vizinhos para sua própria defesa. A boa notícia, que o Redentor Mundial traz e que muitos ficaram contentes em ouvir, zelotes em pregar, mas aparentemente relutantes em demonstrar, é que Deus é amor, que Ele pode ser e deve ser amado, e que todos sem exceção são seus filhos.


As armadilhas do dogma religioso são “armadilhas do orgulho” que são mantidas “paralelamente” às principais virtudes da mensagem. No entanto, nós, humanos, lutamos contra isso. Lutamos todos os dias para interpretar, e interpretar mal, o significado do texto filosófico e religioso, agarrando-nos ao que o Dr. Wayne Dyer chamou de “uma zona errônea” que inibe a forma como funcionamos na vida. Não podemos pensar de forma diferente e quando a mudança chega, a mudança adaptativa para fluir com a evolução, nós hesitamos.

Algumas das Lojas Maçônicas, na onda da pandemia COVID-19, alteraram seus formatos. Outras simplesmente fecharam durante o período, pois seus membros corriam um risco maior do que a média da população. Outros passaram a fazer sessões de estudo online independentes, pontuais, e outras fizeram podcasts e lives. Estas são algumas boas adaptações, são uma evolução criada pela população mais jovem e mais experiente em tecnologia. Aqueles que estão em contato com as mudanças culturais.

Outras Lojas e Ordens se adaptaram ainda mais. Rituais curtos foram criados para algumas reuniões de Loja que, embora não fossem reuniões regulares, reuniam todos em uma teleconferência para discutir ensaios e escritos relevantes. É “a forma resumida” de uma reunião que mantém a consistência e ainda se adapta às necessidades do mundo. 


Os irmãos ainda compartilham conversas fraternas, amor fraternal e algum alívio para as doenças que nos cercam. As palestras filosóficas maçônicas, para um grupo, passaram de presenciais para online, com uma participação ainda maior - até 100% mais indivíduos registrados do que em reuniões anteriores. A discussão e o debate são animados e estimulantes, permitindo que as pessoas levem mais ensinamentos do que tinham no início da reunião. Isso não substitui o ritual da Maçonaria nem a necessidade de integração da mente, corpo e espírito na forma da Maçonaria. É a adaptação para sobreviver, para prosperar, em um mundo de medo, caos e mudança.

Não vejo que uma Maçonaria que se adapta e flui com as necessidades do mundo seja uma Maçonaria tentando reformar seus deuses. Pelo contrário; é garantir que a Maçonaria não seja um dogma, que ela não seja algo estático coletando a  poeira do tempos, o que garantiria sua morte. 

Temos que permitir a mudança e  a evolução, do contrário estaremos destinados a cair ao extremo, e então murchar e morrer. Não. Às vezes, é preciso uma pandemia para acordar, mudar o caminho em que estamos e tentar algo novo. É uma mudança cuidadosa, lenta mas progressiva, que mantém o bombeamento do sangue e o crescimento das células. Talvez sejam as células e o sangue que instigam a mudança, ao estilo darwiniano, para criar a nova cultura. Não é necessário um prodígio de lógica para descobrir que precisamos nos adaptar para não morrer.

A  velha Maçonaria está morta. Viva a Maçonaria!


Traduzido por:  P. Maurício M. Magalhães - MM - MRA - FRC

Mais Visitados