A Águia Bicéfala do REAA

 A Águia Bicéfala do REAA

Traduzido de: Universal Freemasonry


A característica mais ornamental, para não dizer a mais magnífica da Insígnia do Conselho Supremo, 33° do Rito Antigo e Aceito [Escocês], é a Águia de Duas Cabeças, encimada por uma Coroa Imperial. Este símbolo parece ter sido adotado algum tempo após 1758 pelo grupo conhecido como os imperadores do Oriente e do Ocidente: um título bastante pretensioso. 

Esta parece ter sido sua primeira aparição em conexão com a Maçonaria, mas a história dos Altos Graus foi sujeita a tal confusão que é difícil ter certeza sobre qualquer afirmação feita a respeito deles. A partir deste Conselho de imperadores, ou pela influência deles, a Águia de Duas Cabeças veio para os “Soberanos Príncipes Maçons” do Rito de Perfeição. Este Rito de Perfeição com seus Vinte e Cinco Graus foi ampliado em 1801, em Charleston, EUA, no Rito Antigo e Aceito de Trinta e Três Graus, com a Águia de Duas Cabeças como seu emblema mais distinto.

Quando este emblema foi adotado pela primeira vez pelos Altos Graus, ele já estava em uso como símbolo de poder por cerca de cinco mil anos. Nenhum símbolo heráldico, nenhum dispositivo emblemático em uso hoje pode ostentar tamanha antiguidade. Estava em uso mil anos antes do Êxodo do Egito e mais de dois mil anos antes da construção do Templo do Rei Salomão.

A história de nossa águia foi contada pelo eminente assiriologista, M. Thureau Dangin, no volume Zeitschriftfür Assyrliologie, de 1904. Entre as descobertas mais importantes que  devemos ao falecido M. de Sarzec, estão dois grandes cilindros de terracota, cobertos com muitas centenas de linhas de caracteres cuneiformes arcaicos. Esses cilindros foram encontrados nos montes de tijolos de Tello, que foi identificada, com certeza, como a cidade de Lagash (ou Lagaxe), o centro dominante do sul da Babilônia, antes que Babilônia tivesse imposto seu nome e governo ao país. Os cilindros estão agora no Louvre e foram decifrados por M. Thureau Dangin, que exibe aos nossos olhos maravilhados um emblema de poder que já tinha séculos de idade quando a Babilônia deu seu nome à Babilônia

O cilindro em questão é um Registro de Fundação, depositado por um certo Gudea, Governante da Cidade de Lagash, para marcar a construção de um Templo, por volta do ano 3000 a.C., data mais aproximada que se consegue precisar. O Registro de Fundação foi depositado assim como nossas medalhas, moedas e placas metálicas são depositadas hoje, quando uma Pedra Angular é colocada com Honras Maçônicas. Deve-se ter em mente que, neste caso, a palavra Pedra angular só pode ser empregada no sentido convencional (de pedra fundamental), pois na Babilônia, todos os edifícios, templos, palácios e torres semelhantes foram construídos de tijolo. Mas o costume de fazer depósitos de fundação era geral, qualquer que fosse o material de construção, e agora veremos quais funções são atribuídas, por outro eminente estudioso, à Câmara de Fundação do Templo do Rei Salomão.

O conteúdo da inscrição é de extremo valor para o erudito oriental, mas pode ser brevemente descartado para nosso presente propósito.

Basta dizer que o rei começa recitando que uma grande seca havia caído sobre a terra. “As águas do Tigre”, diz ele, “baixaram e o estoque de forragem escasseou nesta minha cidade”, de modo que ele temeu que fosse uma punição dos Deuses, devido a pecados de seu povo. O leitor familiarizado com os métodos babilônicos que permeiam os Livros do Cativeiro, não ficará surpreso ao saber que o Rei teve um sonho, no qual a vontade dos Deuses foi revelada por intervenção e interlocução direta e pessoal. 

No sonho, veio ao Rei "um Homem Divino, cuja estatura ia da terra ao céu, e  em cuja cabeça havia uma coroa de um Deus encimado pelo Pássaro da Tempestade que estendia suas asas sobre Lagash e sua terra." Este Pássaro da Tempestade,  era ninguém menos que nossa Águia de Duas Cabeças, era o Totem, como etnólogos e antropólogos o chamam, da poderosa Cidade Suméria de Lagash, e ostentava orgulhosamente o emblema visível de seu poder e domínio.

Esta Águia de Duas Cabeças de Lagash é o mais antigo escudo real do mundo. Com o passar do tempo, passou dos sumérios para os homens de Akhad, dos homens de Akhad para os hititas, dos habitantes da Ásia Menor para os sultões seljukianos, de quem foi trazido pelos cruzados aos imperadores do Oriente e Ocidente, cujos sucessores hoje são os Habsburgos e os Romanoffs, bem como os “Imperadores do Oriente e do Ocidente” maçônicos, cujos sucessores hoje são os Conselhos Supremos, 33°, que herdaram a insígnia do Rito de Perfeição.

Este é o caminho dos sucessivos vôos que levaram a Águia de Duas Cabeças do Tigre ao Danúbio e ao Neva. Mas é bem possível que, quando os guerreiros medievais trouxeram para casa o Pássaro da Tempestade, eles o traziam pela primeira vez. Dissemos que Lagash era o centro de um povo sumério no ano 3000 a.C. Foi estabelecido que os sumérios eram um povo iraniano, bastante distinto dos guerreiros de Akhad, que eram de descendência semita. 

Algum tempo depois do ano 2800 a.C., os homens de fogo de Akhad expulsaram os iranianos, e a Babilônia tornou-se, para todos os efeitos, um reino semítico para a época. Os sumérios parecem ter seguido a linha iraniana de migração para o oeste e, muito provavelmente, trouxeram com eles a lembrança de seu pássaro guardião dos tempos antigos. Consequentemente, o pássaro da tempestade da Mesopotâmia, com sua dupla cabeça e asas estendidas, pode não ter parecido totalmente estranho para os eslavos, ou teutões, ou os celtas cuja ancestralidade obscura pode ter vivido ao lado do Tigre. O emblema pode ter apelado a alguma herança vaga subconsciente do tipo que os psicólogos modernos estigmatizam como vestígios de retro-reminiscência ou inconsciente coletivo. 

Voltando ao texto do cilindro inscrito, concluímos que o Deus do Pássaro da Tempestade ficou satisfeito com a promessa do Rei de construir um Templo para ele e, em resposta à petição do Rei, inspirou a ele e a seus construtores com um plano realmente "celestial". A alegação de uma "origem celestial"  semelhante é atribuída, comumente, aos templos mais magníficos do Antigo Oriente; por exemplo, para o grande Templo de Hórus em Edfu, construído pelo Faraó, sob inspiração direta do "deus" Im-Hotep (na verdade um engenheiro muito prestigiado).

Mas esta revelação particular a Gudea é digna de nota, porque as circunstâncias da revelação têm uma forte semelhança com a divulgação das dimensões do Tabernáculo a Moisés no Monte Sinai, conforme descrito em Êxodo. O texto cuneiforme é oportunamente ilustrado neste ponto pela descoberta de uma bela estátua de basalto de Gudea, enterrada por séculos nos mesmos montes de Lagash. 

Ele é representado na postura sentada comum às estátuas orientais dos Grandes Monarcas, e ele segura sobre os joelhos o que agora é claramente visto como uma tábua de desenhista, com o desenho do templo inscrito nela, enquanto ao redor estão as ferramentas e o cinzel do gravador: o paralelo é claro com a tábua de traçar esquadro e compasso de hoje. A cena tem uma semelhança indefinível com os frontispícios com os quais os gravadores do século XVIII costumavam decorar  livros semelhantes.

A inscrição cuneiforme segue descrevendo a cerimônia de lançamento da pedra fundamental, com mil detalhes de valor inestimável para o arqueólogo, mas de forma alguma relacionada à história da Águia de Duas Cabeças.

Essas coisas aconteceram, sob as asas do Pássaro da Tempestade, em Lagash dos Sumérios, e foram ali escritas, mais de mil anos antes de Abrão, o hebreu, morar na Ur dos Caldeus.



NOTAS

O antigo templo de Edfu, construído para a adoração de Hórus, filho de Kneph e Athor, foi explorado por Mariette Bey e tem a fama de conter uma placa ou placa inscrita, na qual é delineada uma aproximação geométrica da proporção do diâmetro para a circunferência (Pi). Os leitores científicos compreenderão as eras que devem ter ocorrido entre o alvorecer das concepções geométricas e o período em que tal constante poderia começar a parecer praticável, ou desejável, ou mesmo concebível.

Artigo Originalmente publicado em Ars Quatuor Coronatorum. vol. xxiv (1911) Quatuor Coronati Lodge No. 2076. pp. 21-24.

Autor: W. J. Chetwode Crawley
Tradução:  Paulo Maurício M. Magalhães - MM - MRA - FRC



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